Por Ana Carolina Pontalti Monari

“EMBORA A MÍDIA E A CIÊNCIA ESTEJAM ENFRENTANDO PROBLEMAS EM RELAÇÃO À CONFIANÇA DO PÚBLICO, ELAS AINDA SÃO TILIZADAS POR DIFERENTES ATORES COMO MEIOS DE VALIDAÇÃO OU A LEGITIMAÇÃO DE ARGUMENTOS.”
O advento da internet e das redes sociais digitais trouxe novas dinâmicas para se pensar a vida em sociedade. Com as novas tecnologias, se tornou muito mais fácil se comunicar com indivíduos de diversas partes do mundo e ter acesso a diferentes fontes e dados sobre qualquer assunto.
Essa multiplicidade de informações, no entanto, expõe o cenário de disputas narrativas, sendo que muitas delas contestam a chamada “autoridade
epistêmica”. Este foi o tema do Seminário Mídia e Ciência, organizado pelo Laboratório de Investigação em Ciência, Inovação, Tecnologia e Educação (CiteLab) em parceria com o Núcleo de Estudos em Comunicação, História e Saúde (NECHS – FIOCRUZ/UFRJ), realizado no dia 25 de março de 2021.
O conceito de autoridade epistêmica pode ser definido como a autoridade que é consolidada em torno das instituições epistêmicas, que são entidades cuja função social se estabeleceu em torno da produção ou disseminação de conhecimento e informações. Escolas, unidades, instituições de pesquisa científica e até o próprio jornalismo podem ser consideradas instituições epistêmicas. Segundo Miller (2020), elas desempenham dois papéis fundamentais na sociedade: 1) garantir que os cidadãos sejam reflexivos e bem informados; e 2) fazer com o que discurso público seja conduzido de acordo com as normas epistêmicas constitutivas da investigação racional livre, aberta e consistente com o exercício adequado do direito de
procurar livremente a verdade – busca que teve sua base nos primórdios do pensamento moderno. Como mencionado anteriormente, estamos vivendo na contemporaneidade um cenário de disputas narrativas, em que muitas delas contestam essa autoridade epistêmica.
Foucault (1986) afirma que a verdade é deste e não de outro mundo e que ela está relacionada às articulações entre poder e saber em uma determinada sociedade. Diante disso, é possível afirmar que estamos em um período de transição entre o chamado “regime de verdade baseado nas instituições” para outro baseado na “experiência, no
testemunho, nas crenças e nos dogmas”. É o “regime de verdade experiencial”, em que a experiência legitima o conhecimento sobre a verdade, como abordado pelos professores Igor Sacramento e Raquel Paiva (2020).
Nos últimos anos, consolidou-se a ideia de que é preciso retomar a confiança na ciência e no jornalismo como as “únicas” instâncias produtoras da “verdade” e surgiu o estímulo para que as pessoas busquem cada vez mais informações. No entanto, o problema não está na “falta”, mas no excesso de informações. Isso foi, inclusive, abordado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), quando esta declarou que estamos vivendo uma infodemia.
E é neste cenário “barulhento” e cheio de informações que diferentes atores sociais (políticos, organizações não-governamentais, cientistas e médicos, entre outros) – com seus próprios valores e crenças – travam embates narrativas sobre a ciência. Este conflito, realizado sobretudo no ambiente digital, acaba sendo potencializado por teorias da conspiração e pela própria desinformação. O papel desempenhado pelo jornalismo e pela ciência nesse cenário de crise da autoridade epistêmica precisa ser mencionado. Em relação à ciência, é possível afirmar que a chegada das plataformas digitais fez com que o conhecimento científico, que antes
ficava sob o controle dos jornalistas, possa ser distribuído pelos próprios pesquisadores em suas redes sociais digitais, que funcionam sob uma lógica de algoritmos. Para além disso, é válido mencionar que escândalos envolvendo cientistas e o lobby das indústrias farmacêuticas e do tabaco também contribuíram para essa problemática.
Embora a mídia e a ciência estejam enfrentando problemas em relação à confiança do público, elas ainda são utilizadas por diferentes atores como meios de validação ou a legitimação de argumentos. Na história recente do Brasil, os casos da fosfoetanolamina sintética e da hidroxicloroquina como recurso terapêutico para a Covid-19 ilustram essa instrumentalização político-partidária da ciência e do jornalismo ou uso interessado
dessas duas autoridades epistêmicas.
Ana Carolina Pontalti Monari é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). É mestre em Comunicação
e jornalista pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Pesquisadora integrante do Núcleo de Estudos em Comunicação, História e Saúde (NECHS – FIOCRUZ/UFRJ). Bolsista de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Referências bibliográficas
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
MILLER, Seumas. Freedom of Political Communication, Propaganda and the Role of
Epistemic Institutions in Cyberspace. In: THE ETHICS of Cybersecurity. 2020. p.
227- 243.
SACRAMENTO, Igor; PAIVA, Raquel. Fake news, WhatsApp e a vacinação contra
febre amarela no Brasil. MATRIZes, v. 14, n. 1, jan-abri. 2020, p. 79-106.