Por Aline Goneli de Lacerda

” O movimento anticientífico não é novo, mas é possível observar o seu crescimento mundial nos últimos anos. Daí a importância de se investir nos estudos sobre fake news e disputas sobre a informação, principalmente, no que diz respeito à informação científica. “
O câncer é uma enfermidade cercada de estigmas, tanto que, ainda hoje, muitas pessoas não conseguem sequer falar o nome da doença. Não raro, o próprio serviço de saúde encara todos os tipos de câncer como se fosse uma doença só quando, na realidade, o câncer é considerado um conjunto de mais de 100 doenças, as quais têm em comum o crescimento desordenado de células que invadem tecidos e órgãos.
De fato, ainda se observa um desconhecimento muito grande por parte da população brasileira em relação a fatores de risco para o câncer. Essa falta de informação associada à disseminação de informações incorretas sobre o câncer só aumenta o estigma associado a doença.
Atualmente, as plataformas digitais sociais se apresentam, cada vez mais, como um lugar onde fatos alternativos são validados. No Youtube, por exemplo, é possível encontrar uma quantidade enorme de canais com todo tipo de fake news sobre o câncer, bem como teorias da conspiração, segundo as quais a cura da doença já existiria, mas os interesses comerciais impedem a sua divulgação. Por exemplo, embora não haja comprovação científica dos benefícios da fosfoetanolamina para pacientes com câncer, os defensores da chamada “pílula do câncer” argumentam que
interesses poderosos querem negar aos pacientes o acesso à cura.
Por volta de 2016, a fosfoetanolamina foi taxada pelos noticiários nacionais como “A Cura do câncer”, apesar de não existir a devida avaliação da sua eficácia.
Isso levou a uma série de discussões que culminaram com o discurso de que a fosfoetanolamina poderia ser um substituto do tratamento convencional, ou ainda, que o tratamento convencional poderia interferir com o suposto poder curativo do fármaco.
Na época, houve uma grande pressão política pela aprovação da distribuição da medicação. De fato, tem sido cada vez mais comum representantes mundiais se posicionarem contrariamente aos conhecimentos científicos, como no caso da “cura do câncer” e, mais recentemente, no caso da Cloroquina para combate ao Covid-19.
Vivemos, atualmente, uma infodemia (uma pandemia de informações). Esse cenário, ao mesmo tempo em que ajuda a democratizar a informação e a empoderar o paciente, traz também riscos e prejuízos, na medida em que a desinformação relacionada à saúde leva alguns pacientes a se sentirem inseguros com o próprio tratamento e a adotarem hábitos que vão contra sua própria saúde. No caso do paciente oncológico, o resultado disso pode ser fatal, pois as fake news médicas tem o potencial de levar ao abandono do tratamento convencional, e do acompanhamento médico.
De fato, a circulação de desinformação relacionada à saúde pode ter graves consequências, como o aumento de doenças evitáveis por vacinação e a adesão de pacientes a tratamentos fictícios para várias condições (de câncer a doenças cardiovasculares).
Além disso, o câncer ainda é associado a dor, morte e sofrimento, e muitas pessoas, com medo de um diagnóstico, adotam comportamento de esquiva de médicos e exames. Esse comportamento pode estar relacionado à perda de confiança em instituições fundamentais da sociedade, decorrente do próprio sistema oferecido à população, uma vez que, nem sempre, o paciente tem a garantia de que será bem acolhido pelos serviços de saúde.
Nesse sentido, a busca por respostas na Internet pode se constituir em uma forma de o paciente tentar se proteger, se informar e de suprir um “vazio de significados”, que muitas vezes é promovido pelo próprio cuidado biomédico. Nesse contexto, ganham força a valorização das experiências individuais baseadas no discurso de testemunho, a crença em soluções rápidas e alternativas, o questionamento e a interpretação errônea do conhecimento médico estabelecido, bem como a busca por alternativas que se encaixem nas convicções e preferências sobre cuidados de saúde do próprio doente.
As fake news desvalorizam o conhecimento científico e colocam à prova os avanços da atividade acadêmica. Elas ganham ares de verdade na medida em que se alimentam e, muitas vezes, incentivam a desconfiança da população na medicina convencional e nas instituições da saúde mantidas pelo Estado. Esse cenário, de deslegitimação da ciência, inclusive entre lideranças políticas, traz uma infinidade de desafios tanto para instituições e seus profissionais, assim como para os usuários que procuram informações de qualidade. O movimento anticientífico não é novo, mas é possível observar o seu crescimento mundial nos últimos anos. Daí a importância de se investir nos estudos sobre fake news e disputas sobre a informação, principalmente, no que diz respeito à informação científica.
Sabe-se que a desinformação tem um alcance maior e circula com mais rapidez do que as notícias verdadeiras. Por isso, avançar no entendimento sobre o perfil do usuário, as tendências de busca por informações sobre saúde na Internet, bem como conhecer as formas de circulação da desinformação pode amparar no desenvolvimento de estratégias para enfrentamento a esse fenômeno.