Reynaldo Aragon Gonçalves discute como as discussões geopolíticas são centrais no debate sobre a corrida sobre a vacina em um contexto de disputas entre forças neoliberais e defesa da soberania, tendo como foco a discussão sobre a vacina cubana e o “vírus chinês”.

Este estudo foi publicado originalmente no portal Brasil 247.

Imagem retirada do Portal G1: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/05/08/cuba-comeca-a-imunizar-populacao-contra-covid-19-com-vacinas-proprias.ghtml Foto: JOAQUIN HERNANDEZ/AFP

“A ORDEM ERA NEGAR. NEGAR A PANDEMIA EM NOME DA ECONOMIA, NEGAR A CIÊNCIA EM NOME DA NEGAÇÃO DA PANDEMIA, NEGAR A DEPENDÊNCIA DOS ITENS MAIS BÁSICOS PARA O COMBATE À PANDEMIA DO GRANDE INIMIGO À CHINA E O COMUNISMO IMAGINÁRIO.”

Em meio à competição global por lucros e por mercado, Cuba segue na contramão da geopolítica da negação, investindo numa vacina financiada pelo Estado a bem do seu povo.

Em março de 2020, logo no início da pandemia do Covid-19, Cuba se tornou o epicentro das fake news sobre desenvolvimento e produção de vacinas nas mídias sociais brasileiras. Havia de um lado a exaltação por setores progressistas e por outro a deselegante ridicularização por parte de setores reacionários. No mesmo período, o então presidente dos EUA, Donald Trump, adotou ainda mais medidas de embargo à economia cubana, piorando a situação econômica do país caribenho em meio à maior crise sanitária do último século. Enquanto os países ricos articulavam sua política e economia para garantir maior acesso a insumos como EPI’s, respiradores e medicamentos, países pobres se viam em grande desvantagem perante os demais no combate a pandemia que se agravava. Não obstante, os sérios problemas econômicos de Cuba não impediram que o governo destinasse para a saúde mais de um bilhão de pesos extras, dentro de um esforço monumental para controlar a pandemia e oferecer medidas necessárias para dar assistência à população local. Na outra ponta, governos europeus e dos EUA empenharam esforços para garantir o maior número possível de insumos para seus países, um gesto nobre se observado pela dedicação em garantir suas soberanias. Mas não foi bem assim que funcionou na prática, o que se viu foi uma corrida desleal onde países desenvolvidos usaram da força econômica para subjugar as periferias globais, mercantilizando a saúde pública e fetichizando os esforços pela vacina.

Em abril de 2020 uma carga com 600 respiradores artificiais comprados pelo Consórcio Nordeste foi retida no aeroporto de Miami e seus contratos cancelados pela empresa fornecedora que negociou um melhor preço com o governo dos EUA. Tanto na compra de insumos em massa quanto em investimentos em pesquisas sobre vacinas e tratamentos, bilhões de dólares foram investidos nos EUA e Europa pela iniciativa privada e centro de pesquisas. Grande energia e capital investido numa diligência para garantir as ferramentas necessárias para o combate à pandemia e também muitos lucros, como vimos nos meses seguintes. Enquanto a China combatia com alguns êxitos a pandemia em seu território, também fechava contratos generosos com todo o mundo, cumprindo a sina da nação com maior potencial de produção do planeta. Em meados de 2020 a China já voltava a níveis altos de produção, baixo índice de contaminação e número de mortes muito reduzido diante de um mundo em caos.  

No ocidente, as redes de desinformação e negação científica ligadas à extrema-direita na europa e alt-right nos EUA, travavam uma guerra de mentiras e acusações contra a China. Toda sorte de notícias falsas eram disseminadas nas redes sociais, mobilizando setores reacionários da sociedade, provocando uma verdadeira infodemia em meio à uma crise sanitária, social e econômica sem precedentes na história recente. O modus operandi do submundo das redes virtuais ligadas à extrema-direita foi se alastrando por diversos países, repetindo as mesmas táticas e assuntos na produção e disseminação de mentiras politizadas e financiadas. Assim como nos EUA, no Brasil a Covid virava o “vírus chines”, “chinavírus”; a vacina russa transformava o sujeito em comunista; enquanto as chinesas continham um chip que controlaria a mente e espionaria a vida das pessoas. Para alguns setores o desafio era desqualificar a imagem e os produtos chineses, o sistema político e a forma como conduzem sua economia para o público ocidental, por mais que os governos e empresas ocidentais sejam absolutamente dependentes de insumos importados da China. Da fake news do vírus chinês à compra em massa de insumos da China pelos EUA, o fato é que o discurso xenófobo de Trump e Bolsonaro foram domesticados oficialmente, mas ganharam forças junto às hordas extremistas nas redes.

A ordem era negar. Negar a pandemia em nome da economia, negar a ciência em nome da negação da pandemia, negar a dependência dos itens mais básicos para o combate à pandemia do grande inimigo à China e o comunismo imaginário. Dentro deste cenário o aspecto violento e persecutório contra a ciência ganharam contornos de guerrilha ideológica nas redes sociais, nos grupos de Whatsapp e no balcão da padaria.

Enquanto a disputa geopolítica e econômica pelo lançamento oficial da primeira vacina contra a covid-19 avançava entre Rússia, EUA, China e Reino Unido, com investimento em bilhões de dólares e parcerias de todo tipo. Cuba se destacava pelas políticas públicas de combate a pandemia.O que pareceu fazer a diferença foi exatamente a forma como Cuba cultivou o know how  da saúde pública para agir contra o surto na ilha, 27,5% do PIB do país é destinado para a saúde, que conta com indicadores reconhecidos em todo o mundo. O segredo de Cuba, diferente das grandes economias ocidental que  se preocuparam mais com as questões econômicas, são as políticas públicas de um Estado forte e presente, voltadas à justiça social, valorização da vida e da ciência. Enquanto Cuba faz o dever de casa, países como EUA e Brasil fracassaram perante uma guerra onde a ciência é a principal arma para se combater o inimigo, países esses que compõem o eixo dos movimentos negacionistas e de ódio nas redes: a fim disso, desinformar é preciso. Pois, tirasse o foco da atenção do público para a inaptidão democrática de Estados nação neoliberais, envoltos numa crise sistêmica que parece derradeira e que em pleno século XXI não consegue lidar com as questões basilares do iluminismo. Justiça, igualdade, razão e progresso se tornaram entraves para um liberalismo fracassado e agonizante, onde a velha ideologia burguesa foi enterrada junto da democracia e de centenas de milhares de vítimas do descaso. É preciso esconder dos toptrends os bilhões em lucros das big pharma, os novos bilionários do caos, da indiferença e da lógica higienista com que governos neoliberais conduzem a crise da pandemia de Covid-19. Ouvir a ciência significa valorizar o método, o conhecimento e a vida. Ou seja, se você valoriza a vida em meio a uma crise sanitária, você paralisa setores da economia. Então é preciso mentir, desqualificar o conhecimento científico, suas bases teóricas e também politizar a ciência, desta forma oferecendo um inimigo completo para atirar a massa confusa e desamparada. Se o trabalhador está com medo, não quer pegar diariamente condução lotada para o trabalho, cria-se através da mentira e da negação a ciência um kit milagroso que tem o efeito de levar o sujeito a vencer o medo e se arriscar todos os dias para movimentar a economia.

Enquanto isso, apesar de embargos e ataques ao sistema político e econômico, Cuba fortalece sua imagem perante o mundo como um exemplo a ser seguido na gestão da saúde pública, na formação técnica e no comprometimento social. Acima de tudo Cuba oferece ao mundo uma perspectiva que polariza com a crise conceitual e democrática dos Estados liberais, demonstrando a eficiência de políticas implantadas há décadas que estão preocupadas com a continuidade de um projeto soberano e popular.

  A indústria biofarmacêutica estatal cubana possui um histórico de sucessos que permite ao país ter 100% de cobertura no programa de vacinação, garantindo controle sanitário, desta forma mantendo a população protegida e assistida. Na fase 3 de ensaios clínicos, as vacinas Soberana-02 e Abdala, esperam aprovação da Agência Nacional Reguladora de Cuba, para se tornarem as primeiras vacinas Latino Americanas e com isso imunizar toda sua população com um pouco mais de 11 milhões de pessoas. Em meio à competição global por lucros e por mercado, Cuba segue na contramão da geopolítica da negação, investindo numa vacina financiada pelo Estado a bem do seu povo. 

Fontes: 

https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/ciencia-cubana-suas-vacinas-e-esforcos-contra-a-covid-13582630.html

https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/mundo/2020/04/china-cancela-negocio-e-carga-de-respiradores-comprada-pela-bahia-fica.html

https://brasil.elpais.com/sociedade/2021-04-13/cuba-esta-a-um-passo-de-obter-a-primeira-vacina-latino-americana-contra-a-covid-19.html

Reynaldo Aragon Gonçalves Jornalista e doutorando em comunicação social pela Universidade Federal Fluminense.

 

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