
O que é afinal um preprint?
Como coordenadora do painel 3.1 “Comunicação Científica Rápida”, da Conferência 20 anos Scielo, debatendo questões como Preprints, Publicação Contínua e Peer Review, Thaiane Oliveira, com a parceria de Lucia da Silveira (UFSC), realizou uma pesquisa junto aos editores para conhecer as principais dúvidas sobre algumas mudanças na comunicação científica.
Desde a popularização da internet e a adesão dos espaços digitais para a comunicação científica, poucas inovações surgiram na utilização dos recursos digitais disponíveis por meio da Web2, Web3 e Web4[1]. Na editoração de periódicos científicos, por exemplo, os periódicos digitais tornaram-se uma cópia da versão impressa, não aproveitando em sua totalidade os recursos advindos das diferentes versões da Web.
Contudo, apesar da consolidação da publicação de periódicos digitais, há pouco mais de uma década, algumas mudanças têm surgido na comunicação da ciência, como é o caso do preprint. Essa modalidade de publicação é adotada na área de Física, Biologia, Matemática, Astronomia, Ciência da Computação, Engenharia elétrica, Estatísticas e Finanças, mas pouco utilizado nas outras áreas do conhecimento. Essa preocupação com as novas abordagens para a gestão da informação científica tem deixado muitas dúvidas para um dos atores fundamentais do processo de publicação científica: os editores.
Nesse sentido, foi realizada uma pesquisa com os editores dos Portais de Periódicos Científicos da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal de Santa Catarina para o levantamento das principais dúvidas a respeito da referida temática a partir desses questionamentos. Unificamos as indagações semelhantes e respondemos abaixo as dúvidas desses editores:
1) um artigo publicado previamente como preprint pode inviabilizar a avaliação por pares às cegas de um periódico?
O preprint é entendido como um manuscrito pronto para ser submetido para um periódico, ao submetê-lo para um repositório Preprint, a avaliação por pares (simples-cego) pode – e deve – ser mantida pelo comitê científico do periódico do qual o autor enviou o artigo para publicação. Esta discussão foi trazida por Jan Velterop, no blog SciELO 20 anos, em que aponta que a tecnologia permite que ambos os processos – comunicação (preprint) e revisão por pares – sejam separados.
Ver mais em: VELTEROP, J. Comunicação e avaliação por pares devem ser universalmente separados [online]. SciELO em Perspectiva, 2018 [viewed 25 May 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2018/05/25/comunicacao-e-avaliacao-por-pares-devem-ser-universalmente-separados/
Cabe destacar que o que fica prejudicado é avaliação duplo cego, no qual o autor e avaliador não sabem quem é quem. Já a simples cega somente o avaliador saberá quem é o autor, e por isso, a conduta responsável e transparente do avaliador serão ainda mais requisitadas dele.
O editor que optar pelo uso do preprint também poderá escolher em inovar com a avaliação aberta, que é uma das dimensões da Ciência Aberta. A avaliação aberta consiste na transparência de todo o trâmite de avaliação do artigo. Necessitando de um relatório cronológico e documentado do processo que é pulicado em conjunto com o artigo. Uma das vantagens é que os revisores podem obter crédito pelo seu trabalho, evitar vieses de pesquisas, e o parecer receber uma nova função: ser uma ferramenta para novos avaliadores aprenderem como é atuar como parecerista. Ex. de periódico que utiliza a avaliação aberta: BMC Nursing: https://bmcnurs.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12912-017-0225-3/open-peer-review
2) Mesmo que uma revista continue utilizando a avaliação cega por pares, é possível aceitar um artigo que passou pelo preprint como já aprovado para publicação, abrindo mão do processo avaliativo tradicional?
Não. O periódico revisado por pares deve proceder com a avaliação (simples-cego ou aberto) do manuscrito preprint. Eventualmente, mas em raros casos, o editor pode optar por fast track, ou seja, a publicação imediata do artigo enquanto está sendo avaliada, e assumir a responsabilidade de publicar o artigo sem a revisão por pares caso a política editorial do periódico permita esta possibilidade.
3) O editor pode acessar as plataformas de preprint e convidar o autor a submeter para a sua revista? Isso implicará em aceite automático do artigo ou a revista precisará fazer a avaliação por pares ainda assim, para deixar registrado em seu sistema?
Pode e deve passar obrigatoriamente por revisão por pares, ou seja, não implica em aceitar automaticamente o manuscrito.
4) Existe a possibilidade dos servidores de preprint passar a monetizar o acesso ao conteúdo, obrigando futuramente que as editoras paguem para ver a discussão das avaliações ou mudanças de versões dos artigos?
Não. O preprint é uma forma de publicação associada à Ciência Aberta[2], deve ter atribuição de licenças de acesso aberto normalmente CC-BY. O preprint permite que o processo de avaliação seja mais transparente e ajuda a disseminar as pesquisas de maneira rápida, compartilhada e com participação colaborativa de toda a sociedade. Sendo assim, os servidores de preprint prezam pelos acesso não apenas aos manuscritos, mas também a vinculação aos dados abertos, não priorizando dinâmicas de mercado pela monetização do conhecimento.
5) Qualquer um poderá acessar a plataforma e realizar a avaliação ou será apenas permitido para os convidados dos administradores das plataformas de preprint? Caso seja realizado por um conjunto de avaliadores da própria plataforma, isso poderá ocasionar um viés da própria plataforma, em definir as agendas da área, sobretudo em áreas que são fragmentadas e que possuem perfis diversos.
Na maioria dos casos, a interação com o público é aberta, podendo qualquer indivíduo publicar um comentário ou uma resposta no manuscrito publicado no repositório.
6) As Humanidades, ao mesmo tempo que são mais prolixas e têm uma quantidade ENORME de textos que possuem tamanhos também ENORMES (e com muitos ‘rodapés’), têm outra configuração e essa pressa toda não implicaria uma superficialidade excessiva que esvaziaria ainda mais seu estatuto científico?
Pelo contrário. Os manuscritos depositados em servidores preprints são em geral preparados cuidadosamente considerando que os autores estarão expostos publicamente. Ademais, a possibilidade de construção com base nos comentários da comunidade científica no manuscrito submetido ao repositório de preprints permite que todas as áreas do conhecimento, inclusive Humanas, desdobre as discussões a partir da interação com os seus pares, possibilitado pela pré-publicação antes da submissão de uma versão final para um periódico.
7) Os artigos depositados em servidores preprint podem ser citados normalmente?
Não existe norma correta, mas há algumas convenções sobre a forma de citação, a fim de informar ao leitor que o artigo ainda não foi avaliado por pares. Por exemplo, informando [Preprint] após a informação e identificação do manuscrito no servidor, além do Digital Object Identifier (DOI) do artigo gerado. Outra opção para avisar ao leitor mais explicitamente, é destacar no próprio decorrer do texto que é uma versão em pré-print assim que mencioná-lo, por exemplo:
Como citar no texto: Segundo Velterop (2018, preprint), desde a segunda metade do século XX, preprint tornou-se onipresente e de caráter obrigatório para a publicação de periódicos nas ciências.
Como referenciar: VELTEROP, J. On peer review and preprint publication in the sciences. SciELO20 [Preprint]. 9 Aug. 2018 [cited 13 Sep.2018]; 1-8. Available from:
http://repository.scielo20.org/documents/article/view/85
8) Existe a necessidade de publicação de artigos em revistas qualificadas, principalmente para professores que estão em programas de pós-graduação. Então, qual seria a importância de se publicar um preprint?
O modelo atual de comunicação científica está em transição, e passará por algumas mudanças inerentes as práticas da Ciência Aberta. Mesmo as revistas de alta qualidade deverão se adequar às novas exigências de transparência do processo de pesquisa científica necessitando de infraestruturas próprias e consistentes com a Ciência Aberta. Uma revista de alta qualidade deverá ser o mais transparente quanto possível, portanto, os atores envolvidos precisarão se adaptar as novas “regras do jogo”.
Além de tornar a comunicação científica mais rápida, permitindo a disseminação pública, aberta e imediata dos resultados de suas pesquisas existem algumas vantagens para os autores publicarem preprints, como a possibilidade de receber comentários sobre seus trabalhos. Assim, as vantagens da pré-publicação são:
- Acesso aberto de forma imediata do artigo;
- Possibilidade de obter mais comentários da comunidade científica
- Autonomia do autor sobre quando publicar uma pesquisa
- Aceleração da Comunicação científica
- Divulgação pública de trabalhos que nem sempre têm espaços em periódicos, como as teses, dissertações e projeto.
- Pode firmar o crédito de autoria.
- Pode identificar pesquisas com fragilidades nos processos, métodos, etc.
Desvantagens:
- Os metadados dos artigos provavelmente serão modificados posteriormente.
- Perde o ineditismo e originalidade, requisitos pedidos por periódicos. Nesse caso, o periódico que adotar deverá ajustar sua política editorial e o autor quando procurar um periódico também buscará um periódico que aceite um artigo de origem pré-publicado em preprint.
Feito essa contextualização, vamos para a pergunta inicial, do ponto de vista de um pesquisador que já possui uma certa consolidação no seu campo, o que muda para ele publicar em um pré-print? Primeiro, que ele ajudará a área na transição para esse novo modelo de comunicação científica que é mais transparente e integra. Segundo que mesmo com o seu conhecimento aprofundado com o tema, poderá receber questionamentos de toda a comunidade científica da área, favorecendo no surgimento de novos problemas de pesquisa, no contato direto com o cidadão já que as plataformas são de acesso aberto, poderá ajudar principalmente no registro da autoria científica de uma nova descoberta, já que o processo editorial de um periódico tende a levar mais tempo para publicação.
9) A publicação em Congressos, que mantém os anais em acesso aberto, é também considerado uma plataforma de preprint?
Não. Entende-se que o manuscrito publicado nos anais de um evento tenha sido avaliado por sua própria comissão. Além disso, a plataforma utilizada para editoração de artigos de anais não é considerado um servidor de preprint. O servidor de preprint possui uma estrutura própria, permitindo ao autor modificar versões, acompanhar métricas de acesso e download e gerenciar comentários, seguindo princípios da Ciência Aberta. Os organizadores do evento poderão utilizar a plataforma de preprint para selecionar os trabalhos e passar por uma avaliação dos pares. Lembrando que a publicação em preprint terá a possibilidade da comunicação aberta com a sociedade em geral.
Caso ainda tenha dúvidas, convidamos a todos os editores mandarem suas perguntas para que possamos respondê-las.
Thaiane Oliveira e Lúcia da Silveira
[1]Com a Web2 surgiram possibilidades de se comunicar digitalmente, praticamente uma conversão do impresso para o digital, não apenas com recursos de texto, mas também áudio e vídeo. A Web3 é marcada principalmente pela capacidade de criar redes, e vínculos sociais, já a Web4 a associação de inteligência artificial, web semântica por meio de ferramentas mais complexas, relacionais e interativas. Disponível em: https://www.oreilly.com/
[2] A Ciência Aberta é um ecossistema que inclui todo o ciclo de vida da pesquisa científica: registro do projeto de pesquisa, coleta de dados, dados brutos, relatórios, algoritmos, softwares, etc.